Adorei!
Poderão pensar que, por ser de tal autor, será uma leitura difícil e complicada. Mas não. Sem muitas descrições (apenas as necessárias para explicar a sua influência no estado emocional das personagens), a acção desenrola-se em dois planos: a acção entre as personagens e as lutas psicológicas e racionais das mesmas. É certo que a explicação dos pensamentos das personagens serve para explicar toda a acção das mesmas. Afinal, não seremos todos conduzidos pela razão e emoção?
Procurei um vídeo que ilustrasse a história narrada, mas, mais uma vez, cheguei à conclusão que um filme não faz justiça a um livro. O livro transmite muito mais informações importantes e necessárias para perceber todo o enredo e um filme não tem, de todo, essa capacidade.
Ficam aqui alguns excertos que considero interessantes. Talvez vos aguce a vontade de ler.
"Começa então um imperdível jogo de gato e rato entre eles. Num dos encontros que tiveram, Porfíri Petróvitch, comentando o que Raskólnikov publicara, diz: "No artigo de que se trata, os homens são divididos em ordinários e extraordinários. Os primeiros devem viver na obediência e não têm o direito de desrespeitar a lei, porque são ordinários; os segundos têm o direito de praticar todos os crimes e de violar todas as leis, pela simples razão de que são criaturas extraordinárias. Foi isso o que o senhor disse, se não me engano".
Raskólnikov responde: "Eis o que disse: o homem extraordinário tem o direito não oficialmente, mas por seu próprio alvedrio [vontade própria], de autorizar a sua consciência a saltar sobre certos obstáculos, no caso especial que assim exija a realização da sua idéia, a qual pode por vezes ser útil ao gênero humano. (...). Recordo-me de que em vários pontos do artigo insisto sobre a idéia de que todos os legisladores e guias da humanidade, a principiar pelos mais antigos, para continuar em Licurgo, Sólon, Maomé, Napoleão etc., que todos, sem exceção, foram criminosos, promulgando novas leis, violando portanto as antigas, observadas pela sociedade e transmitidas pelos antepassados; certamente eles não recuavam ante a efusão de sangue, desde o momento em que ela podia ser-lhes necessária. É notável até que quase todos esses benfeitores e guias da espécie humana foram sanguinários. Portanto, não somente todos os grandes homens, mas todos os que se elevam um pouco acima do nível comum, que são capazes de dizer alguma coisa de novo, devem por sua própria natureza ser naturalmente criminosos, mais ou menos, é claro. Em suma: o senhor vê que, até aqui, não há nada de novo em meu artigo. Isso tem sido dito e impresso muitas vezes (...). Quero estabelecer o princípio de que a natureza divide os homens em duas classes: uma inferior, a dos ordinários; espécie de matéria, tendo por única missão reproduzir-se; a outra superior, compreendo os homens que têm o dever de lançar no seu meio uma palavra nova. As subdivisões apresentam traços distintos bem característicos. À primeira pertencem, em geral, os conservadores, os homens de ordem, que vivem na obediência e têm por ela um culto. Em minha opinião, são até obrigados a obedecer, porque é essa a missão que o destino lhes impõe, e isso nada tem de humilhante para eles. O segundo grupo compõe-se apenas de homens que transgridem a lei, ou tentam transgredi-la, segundo os casos. Naturalmente os seus crimes são relativos e de uma gravidade variável. Mas, se em defesa da sua idéia, forem forçados a derramar sangue, a passar sobre cadáveres, eles podem em consciência fazer uma coisa e outra - no interesse dessa idéia, é claro. É nesse sentido que o meu artigo lhes admite o direito ao crime. (O senhor lembra-se de que o nosso ponto de partida foi uma questão jurídica.) Demais não há motivos para nos inquietarmos a esse respeito: quase sempre as massas não lhes reconhecem esse direito: cortam-lhes a cabeça ou enforcam-nos (mais ou menos) e, desse modo exercem a sua missão conservadora até o dia em que essas mesmas massas erigem estátuas a esses mesmos supliciados e os veneram (mais ou menos). O primeiro grupo é sempre senhor do presente, e o segundo é senhor do futuro. Um conserva o mundo, multiplica-lhe os habitantes; o outro move o mundo e o dirige."
O fiel e ético amigo de Raskólnikov, Razumikine, intervém indignado: "(...) Essa autorização moral de matar é em minha opinião mais espantosa do que a autorização legal...".
in Carta Forense
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